Primeira Fineza de Jesus Sacramentado para com os homens.
Quando considero as ações de Jesus, amantíssimo Redentor Nosso não posso de modo algum, determinar qual, dentre todas, seja a mais fina e amorosa para com os homens, porque todas igualmente dão a conhecer um amor imenso e infinito. Porém, como o Discípulo mais amado e Secretário do mesmo amor deixou-nos escrito que tendo Jesus amado os Seus, ao fim de sua vida os amou mais: In finem dilexit, hoc est, majora in posterius reservat, como comenta o Doutor Angélico, assim parece que podemos dizer que naquela misteriosa Ceia, em que nos deu Sacramentada Sua carne, excedeu-Se a Si mesmo Seu amor, foi um amor sem semelhante, um amor sem fim: In finem dilexit. É certo que o coração de Cristo foi sempre ferido do amor de suas criaturas. Esse amor O obrigou a baixar do Seio delicioso de Seu Eterno Pai para desposar-Se com a humana natureza; obrigou-O a nascer em um Presépio entre brutos desprezíveis, sendo Que tinha Seu Trono sobre o mais elevado dos Serafins. Finalmente, esse amor O aniquilou, sendo Onipotente; fê-l'O mortal, sendo Eterno, e O fez mendigo trinta e três anos no mundo, cheio de injúrias e de trabalhos. Mas quando, ao despedir-Se dos homens esse Senhor, deixa-lhes por comida Seu Corpo e por bebida Seu Sangue, quem não vê que foi essa a fineza mais excelente de Seu amor, na qual sobressaem os mais subidos quilates de Sua caridade?
Deste amor, pois, ó Almas Católicas, tomo eu aqui o assunto para discorrer, e com palavras toscas mostrar-vos as excessivas finezas que Jesus obrou em deixar-vos o inefável Sacramento do Altar, para que, à vista delas, sobressaiam mais as ingratidões com que o mundo corresponde a Seu Rei Sacramentado.
A primeira fineza que reparo é o tempo em que Jesus nos deixou Sacramentada Sua Carne. Tinha vivido trinta e três anos entre os homens, e só quando a malícia desses mesmos homens havia chegado ao maior excesso que se poderia imaginar de uma criatura, a saber, maquinar a morte ao Seu Criador, então fez alarde Seu amor de dar-lhes a comer, em acidentes de pão, Aquele mesmo Corpo Que eles determinavam fixar numa Cruz. Entendeu Esse finíssimo Amante que o maior benefício só se devia fazer no tempo da mais abominável ofensa. Quando os homens conspiravam contra Sua vida, quando o próprio Discípulo tratava de vendê-l'O a Seus inimigos, então é que Ele lhes dá a comer de Sua Carne e a beber de Seu Sangue. Os grandes incêndios crescem mais com as contínuas chuvas. Era o Coração de Jesus um forno ardente de amor; porém com o aguaceiro de tantos agravos aumentou de modo que O sacrificou sobre um Altar em vivas chamas de caridade. Obrou Jesus com os homens o que faz o sol com a terra, pois os mesmos vapores com que essa obscurece sua luz, converte-os o sol em benéficas águas, que regam e fertilizam seus campos. Anelava o Amante Redentor instituir este Sacramento para desafogo do amor em que ardia, lá quando naquele princípio sem princípio da eternidade Se recreava no peito de Seu Eterno Pai. Veio ao mundo, viveu e conversou conosco muitos anos, sem querer satisfazer a Seu amor com a maior fineza, até que o viu mais ultrajado e mais mal correspondido.
Ah mortais! Assim age conosco um Deus amante. De nossas mesmas ingratidões faz escada Seu amor, pela qual sobe ao mais alto cume da maior bênção. Esperou o amoroso Jesus que a malícia humana chegasse ao maior excesso para executar o favor mais vantajoso. Já os homens O haviam buscado para tirar-Lhe a vida, já O haviam desterrado e obrigado a viver em terras alheias, já O haviam querido apedrejar desumanamente. Mas todos esses agravos não bastam, hão de aumentar mais as ofensas, e, quando as injúrias chegaram ao último, então saiu a campo o Amor, e deu de si a maior prova, que jamais pudesse ou soubesse inventar.
Ó quão diferentes daqueles, provados nos passados séculos, então foram, os efeitos que causou o amor no Coração de Jesus! Naquele tempo, quando os pecados dos homens inundavam toda a terra, provocaram a Justiça Divina a submergir em um dilúvio todo o universo. Porém agora que as culpas dos mesmos homens excedem muito às passadas, não só não os destrói com um dilúvio, senão que (ó maravilha!) os presenteia com as delícias do Seu Sangue. Então, quando o ingrato Judas O vende por um vil preço, toma nas mãos o pão, e, convertendo-o em Sua própria Carne, lhe diz: Come, Judas, que Isto é o Meu Corpo. Ah! que diferentes ósculos são esses daqueles que daqui a pouco tempo Me hás de dar no Horto! Então tu serás o primeiro a por teus sacrílegos lábios em minha boca, mas para entregar-Me a Meus inimigos. Agora sou Eu o primeiro a por Minha boca em teus lábios, mas para comprar-te. Aqui tens Meu rosto pegado ao teu, e Minha boca tocando a tua. Porém quero mais de ti, Discípulo ingrato; come Esta Carne e bebe Este Sangue com Que agora te brinda Meu amor, antes que O derrame teu ódio. Este é o mesmo Sangue Que tu estás tratando de entregar e vender. Leva-O a meus inimigos, porque Eu desde aqui abri minhas veias sobre este Cálice, antes que os açoites na Coluna e os cravos na Cruz não deixem uma só gota em Meu Corpo. Mas, ó Alma Católica! Que conceito forma teu entendimento desse amor imenso de Jesus? Naquela mesma noite em que O venderam, deixou-Se Sacramentado. Quando as criaturas envenenaram o pão para dar-Lhe a morte, então amassa o outro pão com Sangue para dar-lhes inteira vida. E essa é a primeira das Finezas de nosso Rei Sacramentado.
(Finezas de Jesus Sacramentado para con los hombres, e ingratitudes de los hombres para con Jesus Sacramentado. Escrito en Toscano, y Portugués por el P. F. Juan Joseph de S. Teresa Carmelita Descalzo. y traducido en castellano por D. Iñigo Rosende presbitero. Con licencia. Barcelona: En la Imprenta de los Herederos de Maria Angela Marti, Plaza de S. Jayme, año 1775.)
Créditos ao excelente blog: http://gstomasdeaquino.blogspot.com.br/
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