Duodécima Fineza de Jesus Sacramentado para com os homens
Jesus Se deixou Sacramentado para ser nosso alimento.
Não houve nem haverá semelhante na terra a infelicidade de Adão, nosso primeiro pai, quando ouviu da boca de Deus aquela terrível sentença, que o condenava a comer, por toda sua vida, seu pão com o suor do seu rosto. Ele dominava sobre todo o criado, entronizado em um Paraíso de delícias; enriquecido de dons maravilhosos; tinha por dote a liberdade, e por patrimônio a graça; os elementos o serviam, e lhe obedeciam os animais; não respirava o ar senão a seu favor; passeava a pé enxuto sobre os mares; do fogo lhe eram suaves os ardores; e toda a terra lhe tributava vassalagem. Mas, ah! Desgraça! Aquelas mãos, que pouco antes empunhavam o cetro de todo o mundo, se viram em um instante obrigadas a trabalhar com um arado a pouca terra, que talvez em lugar de pão lhe dava abrolhos.
Assim fez Deus para com Adão no Paraíso; porém não faz assim com os homens no Sacramento. E se não, dizei-me, que trabalho ou que fadiga nos custa o alimentar-nos d'Aquele Pão de vida? Que suores padecemos para comer a deliciosa Carne de Jesus? Onde, como diz o Ango das Escolas, se prova toda a doçura em sua fonte; porque nela recapitulou, melhor que no Maná, todos os sabores de Seu amor. Cheios estão os livros das divinas e humanas letras de muitas mulheres, que, para remédio da extrema fome que padeciam, comeram seus próprios filhos, nascidos de suas entranhas; mas não ouvimos que tenha havido mãe tão piedosa para com seu filho que, para livrá-lo da fome que padecia, o alimentasse com sua própria carne. Esta fineza ficou reservada somente para o amor infinito de Jesus, Que, vendo-nos padecer, deu-nos Seu próprio Corpo para nosso sustento.
Ó prodígio do amor Divino! Deus alimento do homem! É certo que o alimento se converte na substância de quem o recebe. A Divina natureza é totalmente inconvertível na humana. De sorte que, ainda que a d'Aquele homem Filho natural de Deus possa muito bem Se unir à natureza humana, não pode de modo algum converter-Se nela. Porém buscou Seu amor caminhos de fazer uma nova e engenhosa conversão. Fez alimento da Carne de Jesus, para que de modo possível, pareça que Sua natureza se transforma na nossa, e depois que O recebemos Sacramentado, possamos dizer-Lhe com Seu Profeta: Lembrai-Vos, Senhor, que sois minha sustância.
Em uma ocasião disse o mesmo Senhor a Seu favorecido Agostinho: Eu sou manjar de grandes, tu Me comerás, mas não Me mudarás em ti, antes bem tu te converterás em Mim. É isso o que pretende o amante Jesus Sacramentado: unir-Se de tal sorte conosco por alimento, que Se converta em nós, e nós nos transformemos n'Ele. O Grande Imperador Teodósio, quanto voltava da guerra, ainda com o sangue quente das batalhas, estreitava fortemente em seu peito o filho Honório, para transformá-lo, como ele dizia, em seus esforços marciais. Mas quanto melhor nos converte em Si o amoroso Jesus, quando, vertendo Sangue vivo de Suas veias, nos abraça estreitamente, e nos infunde Seu Espírito para fortificar-nos nesta vida, que também é milícia sobre a terra.
Falsas e fingidas foram aquelas promessas que o pai da mentira fez ao primeiro homem, de que seria como Deus se comesse daquele fruto que lhe fora proibido no Paraíso. Porém, se Adão tivesse provado d'Este Pão Deífico, d'Esta Carne Sacramentada de Jesus, bem poderia eu seguramente prometer-lhe que ficaria divinizado. Este é Aquele Pão ao Qual São Cirilo chama: Satus in Virgine, in Ecclesia fermentatus. Sabeis, diz esse grande Doutor, que Pão é Este? É o Pão semeado no Coração Virginal de Maria, fermentado na Igreja e amassado com o Sangue de Jesus.
Foi um aviso para os de Taranto, de mil calamidades que por quatro anos padeceram, sair sangue ao partir o pão que comiam. Mas perguntai a uma Teresa o que ela sentiu d'Este Divino Pão, quando, entrando-lhe na boca, a encheu do precioso Sangue de Jesus, Que a afogou em um mar de doçuras. Perguntai a uma Maria Ogniacense, filha do Grande Patriarca São Domingos, que sintomas morais eram aqueles que padecia apenas em chegar ao lábios o pão, que não estava consagrado; efeitos que não lhe causa o Divino Pão Eucarístico, pelo Qual unicamente anelava, e recebia com ardentíssimos afetos. Muitas experiências fizeram com ela os Sacerdotes, trocando a forma consagrada por outra não consagrada, e acharam que fosse perder a vida.
Concluamos dizendo que n'Este admirável Sacramento estão já decifrados os enigmas que não entenderam os convidados de Sansão; porque Este é o suavíssimo mel que se achou na boca do Leão. Este é o pão guardado pelo verdadeiro José para livrar da fome o Egito do mundo inteiro. Este é, finalmente, o pão no Qual o amor transformou a Carne de Jesus para ser nesta vida nosso único alimento.
(Finezas de Jesus Sacramentado para con los hombres, e ingratitudes de los hombres para con Jesus Sacramentado. Escrito en Toscano, y Portugués por el P. F. Juan Joseph de S. Teresa Carmelita Descalzo. y traducido en castellano por D. Iñigo Rosende presbitero. Con licencia. Barcelona: En la Imprenta de los Herederos de Maria Angela Marti, Plaza de S. Jayme, año 1775.)
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